Os ventos tristes do sul
Nos campos do sul, onde o céu repousa sobre as coxilhas e o silêncio conta histórias com voz de vento, o gaúcho se molda em solidões. O inverno, para ele, é mais que estação — é a própria identidade, como uma velha cicatriz na alma.
O vento gelado, impiedoso, que vem de longe, descendo cordilheiras, canoeiro sem remo das noites escuras, amante das madrugadas, sem medo do fim, corre em desabalada corrida para repontar mágoas.
Inverno, vento, gaúcho, visceral tempo.
O minuano não é apenas ar em movimento — é espírito antigo, que ronda estâncias, sopra nos cinamomos secos e embala as ausências. Ventania que encanta os campos, redemoinho dos desalentos, prepara o povo do sul para as durezas da vida com a delicadeza de quem acaricia os sulcos do rosto esculpido pelo tempo.
No inverno, o fogo no galpão torna-se o coração da casa. Em volta do braseiro, as histórias assombram o guri missioneiro, que doma potros imaginários na paisagem cinza.
É tempo de introspecção, é tempo de conversar com os interiores, é tempo de dormir sob mantos de geada, é tempo de pensar nas partidas, é tempo de descolorir a vida.
E lá fora, entre o relincho do cavalo que resiste ao frio e o chirriar rouco da coruja, o minuano segue soprando em notas menores, tristes. Leva folhas secas, dedilha às estrelas, e traz lembranças das vidraças estilhaçadas.
O gaúcho caminha sob o céu plúmbeo, de poncho andino nos ombros como se fosse parte do próprio corpo. Os passos são firmes, quase rituais, e cada pisada sobre a terra endurecida pelo frio soa como prece — silenciosa, ancestral.
O peão aprendeu que o inverno se enfrenta com reverência, sabe que o vento não se domina — se escuta, se decifra, se respeita. A alma não se revela nas cores faceiras da primavera, mas nos tons do inverno.
Há dias em que o vento parece um velho pajador. Canta tropeadas antigas, embala lamentos de amores que se perderam nas brumas do tempo, assovia nomes esquecidos nas encruzilhadas da vida.
Quando tudo parece adormecido sob o manto da cerração, o vento ainda recita versos, e o gaúcho, em devaneios invernais, compõe poemas. Nem sempre com as palavras, às vezes com os olhos negros, às vezes no simples atavismo meridional.