O espelho de Maria
Na manhã do Dia das Mães, dona Maria acordou antes do sol.
Antes de mais nada, Maria é mãe – nome materno, epígrafe de quem cria, cuida, ama, abraça e trabalha.
O relógio marcava seis e vinte e três — um número que ela considerava simpático, quase um poema em forma de ponteiros na parede descolorida. Maria, que retornava à noite, conhecia apenas a escuridão em sua casa.
Levantou-se devagar, os pés buscando o chão com o cuidado de quem pisa em memórias. Preparou o café, torrado na medida em que aprendeu com sua mãe, e sentou-se na poltrona herdada da avó, defronte ao espelho antigo que ninguém ousava limpar por inteiro — talvez porque o reflexo representasse reminiscências.
Esse espelho, diziam no antigo povoado, tinha o poder de mostrar não o reflexo, mas o vínculo. Em dias comuns, revelava vultos esquecidos: filhos, netos, ausentes ou distantes — todos ali em imagens fugidias. Mas, em dias especiais, o espelho representava os desconfortos da alma.
Maria – mãe – ajeitou o lenço nos cabelos e mirou-se. Esperava ver os três filhos: o mais velho, sem destino certo; a do meio, perdida entre reuniões em escritórios elegantes que lhe furtavam o tempo; e o caçula… bem, o pequeno não passava de um pesadelo nas profundezas do rio que devorava os miseráveis.
O espelho, obediente às tradições, embaçou-se por completo. E então, como quem abre uma cortina com os dedos, revelou os três. O mais velho sorria com os olhos cansados. A do meio gesticulava como se explicasse algo importante. E o caçula – o caçula – soprava bolhas de sabão que dançavam na moldura de mogno.
Ela sorriu com a brandura dos que sabem. Disse-lhes “bom dia, meus filhos” — e o espelho, ciente do protocolo invisível, os desfez em bruma. Nada restou, senão lágrimas nos velhos sulcos.
Às nove e pouco, bateram à porta. Era uma vizinha, com um perfumado bolo de laranja.
-Sozinha hoje de novo, dona Maria?
Ela assentiu, agradeceu, sentindo os olores cítricos misturados ao chocolate, e respondeu, com a calma que só os que conversam com espelhos possuem:
-Sozinha? Imagine. Estive agora mesmo com eles, em saudades.
E fechou a porta devagar, para não acordar o silêncio das lástimas.