Diamantes de cinzas humanas
Há em casa faz meses discussões calmas e maduras, diálogos ponderados em prós e contras, a respeito de eu, quando morrer, ser cremado e das cinzas virar um diamante, pelo menos um e pequeno, para deixá-lo como último presente inesquecível para a patroa. A patroa teima, numa boa, em não ceder a este meu humano e derradeiro desejo. Paciência.
Mas é possível fazer diamante das cinzas humanas? É. Saiu há anos no Correio do Povo, pena não ter eu a data precisa, um texto intitulado Cinzas humanas viram diamante, transcrito a seguir entre vírgulas duplas. “Por alguns milhares de euros e sofisticado processo químico, uma pessoa falecida – e cremada – pode ser transformada em diamante humano. Na cidade de Coire na Suíça a empresa Algordanza recebe a cada mês de 40 a 50 urnas funerárias vindas de todo o mundo para que as cinzas sejam transformadas na pedra preciosa. Quinhentos gramas bastam para fazer um diamante. O corpo humano deixa uma média de 2,5 a 3 kg de cinzas depois da cremação, explica Rinaldo Willy, um dos fundadores do laboratório onde as máquinas funcionam 24 horas por dia. As cinzas são submetidas a várias etapas de transformação, num processo que dura de quatro a seis semanas, até se transformarem em diamantes artificiais. Na natureza o processo leva milênios.”
Para os seres humanos na Terra, inclusive para os missioneiros e vizinhanças, que tiverem desejos de fazer diamantes das próprias cinzas dos corpos cremados, eis aqui, portanto, as possibilidades, as quais, neste planeta, têm endereço da cidade e da empresa onde obter por alguns milhares de euros um diamante ou mais das cinzas e deixá-lo ou deixá-los de presente a quem, companheiro ou companheira, ficar por mais algum tempo vivendo na Terra.
Assim, entre as conversas minhas com a esposa sobre este assunto entram, além de outras questões impeditivas, as dos gastos de enviar as cinzas, de fazer delas um diamante ou mais e de transportar o diamante, um ou mais, da Suíça até Santo Ângelo. Os gastos em euro em transformar as cinzas do cadáver meu num diamante talvez superem o preço e o valor do diamante. Esses gastos pesam no diálogo do casal.
De mais a mais, depois que os cirurgiões do HCI recaparam a terceira e última camada da aorta do meu coração em 11 de novembro de 2023 o peso do meu corpo diminuiu muito, hoje não ultrapassa 57 kg, virei num esqueleto ambulante. Cinquenta e sete quilos de corpo cremado quantos gramas de cinzas dariam? Fariam um diamante com quantos gramas?
Um diamante, mesmo pequeno, bem que a esposa poderia tê-lo e nele ver o esposo que em tal dia deixou deste tipo de vida por outro e que, cremado, deixou-lhe ainda também de herança um diamante das próprias cinzas.