A figueira
Nos primeiros anos do século XX, na modesta e poeirenta cidade de Mastrolândia — onde o tempo passava devagar, as promessas mais depressa e as obras… —, um novo intendente decidiu deixar sua marca no progresso.
E sua grande ideia não envolvia escolas, pontes ou saneamento, mas algo de impacto mais simbólico: arrancar a velha figueira da praça e, em seu lugar, fincar um imponente mastro de bandeira, para orgulho dos mastrolandenses.
A figueira, testemunha silenciosa de tantas gerações, era o centro da vida local. À sua sombra reuniam-se lavradores para o descanso do meio-dia, senhoras com suas costuras e causos, meninos para brincadeiras e os sabiás com seus famosos tuí-tuí, que faziam dela também sua morada.
Era, em verdade, mais que árvore: era quase gente. Mas o intendente via nela apenas um estorvo — um símbolo da estagnação, um empecilho ao progresso. O único verde doravante permitido seria o da bandeira.
“É hora de olhar para o alto!”, discursou o intendente. “Mastrolândia precisa olhar pra cima!”, completou seu secretário, enquanto desviava os olhos das ruas esburacadas.
O mastro foi erguido com grande pompa. A banda local, meio desafinada, tocou o hino. Crianças agitavam bandeirinhas de papel e senhores de paletó amarrotado aplaudiam, como quem assiste a um milagre.
Não faltaram discursos inflamados sobre a importância do patriotismo, da modernidade e da honra nacional — tudo isso sob o sol escaldante, onde antes havia sombra.
Foi assim que nasceu a divisão: de um lado, os figueirenses, que viam na árvore arrancada o assassinato da memória. Do outro, os bandeiristas, exaltados, que viam no novo mastro a redenção de uma cidade esquecida.
O intendente, por sua vez, sorria satisfeito. Não pelas obras prometidas, que continuavam no esmaecido papel, mas pela bandeira que tremulava altiva no vento.
E assim, entre galhos serrados e tecidos tremulantes, Mastrolândia entrou para a história. Não por suas conquistas, mas por sua capacidade de substituir raízes por símbolos. Porque, afinal, como diria um certo florentino:
“O príncipe deve fazer o bem sempre que for possível… e o mal quando for necessário.”
A figueira que o diga.