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SANTO ÂNGELO
18 de agosto de 2025
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Opinião

Onde foi parar a fé?

  • maio 19, 2025
  • 3 min read

Como médico neurologista, vejo diariamente os efeitos da ausência de fé. E quando falo em fé, não me refiro apenas à fé religiosa, mas àquela confiança íntima de que vale a pena continuar. Fé na recuperação, no sentido da vida, nas pessoas, no futuro — ou simplesmente em si mesmo. O que tenho presenciado, cada vez com mais frequência, é a perda desse impulso vital. A desistência antes mesmo da derrota.

A ausência de fé não grita. Ela sussurra. Vai se insinuando nos corpos com ares de cansaço crônico, insônia persistente, olhares vazios. É um Alzheimer da vontade, onde não se esquecem datas ou nomes, mas o porquê das coisas. A pessoa não adoece subitamente — ela começa apenas a não se importar. E de repente não luta mais. E sem luta, tudo é destino. Um destino sem conflito, sem narrativa, sem clímax. Apenas um arrastar-se mudo pelas horas.

Há um perigo sombrio nisso. A medicina sabe tratar lesões, mas não sabe reacender fé. Não há ressonância magnética que capture a ausência de sentido. E sem fé, mesmo o tratamento mais avançado parece inútil. Já vi tumores desistirem de matar corpos resilientes e, paradoxalmente, vi corpos saudáveis serem vencidos por uma alma que se despediu antes do tempo.

A sociedade, com frequência, aplaude os cínicos, os realistas, os que se dizem livres de ilusões, em “lindas” páginas de Instagram. Mas, ironicamente, são os iludidos — os que creem apesar de tudo — que vivem. Não sobreviver, viver. Persistir quando não se tem garantias é o milagre mais próximo que conheço da fé.

E dói perceber o quanto ela tem morrido em silêncio. Talvez porque ninguém note sua falta de imediato. Não se vê fé em exame de sangue, nem se prescreve em comprimido. Ela simplesmente se esvai, como um sonho mal lembrado ao acordar.

Quando um paciente me diz que “não vale mais a pena”, não escuto apenas um sintoma. Escuto o colapso de um templo. E fico ali, diante daquilo que a ciência não alcança, perguntando-me como reconstruir catedrais sem tijolos, como reacender luzes sem fios.

Nunca me esquecerei do seu Antônio. Idoso agricultor, dessas bandas dos Sete Povos, com tumor cerebral incurável. Desafiou a medicina por 3 anos. Morreu feliz e confortável, na sua cadeira de chimarrão, ciente de que fez sua parte diante da doença, assim como quando marido, filho, sociedade, vizinho, filho e irmão. Disse-me na beira do leito de descanso, sentir-se muito feliz de sua trajetória de batalha e lembrar de todas as lutas, ganhas ou perdidas, mas que com a fé em si mesmo teve o prazer de lutar. Exceto nos três últimos dias de vida terrena, trabalhou, dançou, viajou, conheceu pessoas, se doou a sociedade e optou por não desistir ou reclamar.

Tenho absoluta convicção queuma fiel e responsável medicina nos empresta tempo. O que fazemos com esse tempo… bem, isso depende de uma força que a ciência ainda não sabe medir — mas que, como médico e homem, chamo de fé.

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NORBERTO WEBER WERLE

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