O sorriso do feminicida
Dias atrás, em Alegrete, foi levado ao tribunal do júri, um caso de tentativa de feminicídio. Mais um episódio de barbárie. O acusado, entre tantas agressões, golpeou reiteradas vezes a cabeça da ex-companheira contra uma mureta, deixando-a desfalecida, quase morta, com sequelas neurológicas.
Insatisfeito com a presença da vítima em uma festa, esperou-a em tocaia. O crime foi perpetrado na presença da filha, que, em juízo, consciente das questões de gênero, relegou ao pai o papel de um monstro incapaz de compreender a autonomia das mulheres, reduzindo-as a meros objetos nas relações afetivas.
A menina fez do seu depoimento um inventário de traumas, reclamando, nas entrelinhas de frases tristes, a condenação do pai — o que acabou sendo acolhido pelos jurados.
Já sob os contornos do novo tipo penal do feminicídio, o agressor foi condenado a quarenta e dois anos de reclusão, devendo cumprir mais da metade da pena em regime fechado, antes de eventual progressão ao semiaberto.
O agressor, orgulhoso de seu machismo, deixou o fórum ostentando um sorriso irônico de arrependimento, indiferente ao castigo penal que lhe fora imposto, talvez carregando apenas o remorso de não ter consumado o crime.
O caso recoloca sobre a mesa uma discussão complexa: a persistência dos feminicídios e de outras formas de violência contra as mulheres no Brasil, mesmo diante do progressivo endurecimento penal dirigido aos agressores.
A resposta do Estado, centrada quase exclusivamente na repressão criminal, mostra-se insuficiente diante de uma violência enraizada em padrões culturais, educacionais e simbólicos que normalizam a dominação masculina e a objetificação feminina.
Talvez seja inevitável reconhecer que essa cultura encontra respaldo em discursos públicos que, não muito distantes no tempo, foram legitimados nas urnas, pois o país elegeu um presidente cuja trajetória política foi marcada por reiterados episódios de misoginia, sexismo e desprezo pela igualdade de gênero.
Sem educação e transformação cultural, a barbárie seguirá sorrindo à saída dos fóruns, sem a redução das violências de gênero, cruelmente plurais.

