O presente invisível do Natal
No consultório, eu aprendi uma coisa curiosa ao longo dos anos: o cérebro guarda com mais carinho aquilo que não veio embrulhado.
Guardamos o cheiro do café passado por alguém que se levantou antes de nós. Guardamos o tom de voz que acalma. Guardamos o gesto simples de quem espera sem reclamar. A neurologia explica depois. A vida ensina antes.
No Natal, a gente se ocupa muito com listas. O que comprar, para quem comprar, quanto gastar. Como se o afeto também tivesse código de barras. Mas o cérebro humano, esse órgão silencioso que carrega nossas memórias, medos e afetos, não funciona assim. Ele não se encanta com o valor do presente. Ele se emociona com o significado.
A gentileza, por exemplo, é um presente poderoso. Quando alguém é gentil conosco, algo muito concreto acontece lá dentro da cabeça: áreas ligadas à segurança e ao bem-estar acendem. O corpo relaxa. A respiração desacelera. O mundo fica, ainda que por segundos, menos ameaçador. É como se o cérebro entendesse: “está tudo bem agora”.
Talvez por isso a gentileza seja tão rara e tão necessária. Ela exige presença. E presença é um luxo em tempos de pressa.
Um “bom dia” sincero, um “eu te escuto”, um “fica tranquilo”, um abraço que não olha o relógio. Tudo isso vira memória. E memória, a gente sabe, é um dos maiores presentes que alguém pode receber. Porque ela permanece quando o papel rasga, quando a caixa vai para o lixo e quando o tempo passa.
No Natal, não lembramos de todos os brinquedos que ganhamos. Mas lembramos de quem nos deixou abrir o presente com calma. De quem sentou no chão ao nosso lado. De quem riu junto. De quem foi gentil quando a gente ainda não sabia pedir.
Talvez o Natal seja isso: uma chance anual de oferecer ao outro algo que o cérebro reconhece como essencial. Um gesto que diga, sem palavras: “tu estás seguro aqui”.
Se eu pudesse sugerir um presente neste Natal, não seria algo para colocar debaixo da árvore. Seria algo para oferecer ao longo do ano: mais gentileza. Ela não vence todas as batalhas, mas muda o funcionamento interno de quem recebe. E, curiosamente, também de quem oferece.
Porque o cérebro, quando é gentil, também agradece.
Feliz Natal. Que o teu melhor presente seja ser lembrado com carinho e que tu sejas essa lembrança na vida de alguém.

