O legado missioneiro
O Rio Grande do Sul celebra uma das datas mais marcantes de sua história: os 400 anos das Missões. Fundadas no início do Séc. XVII, as reduções — como eram chamadas — marcaram um dos capítulos mais complexos do encontro entre culturas no território sul-americano.
As Missões foram aldeamentos criados pelos padres jesuítas da Companhia de Jesus, com o objetivo de catequizar os povos indígenas, especialmente os guaranis. O projeto, que chegou a reunir centenas de milhares de indígenas, não se limitava apenas à evangelização: envolvia também educação, agricultura, música, organização social e uma convivência que, por mais idealizada que pareça em alguns relatos, foi marcada por conflitos pluriétnicos e transformações culturais.
Os Sete Povos das Missões — São Miguel, São Nicolau, São Lourenço, São João Batista, São Luiz Gonzaga, São Borja e Santo Ângelo — tornaram-se o coração desse empreendimento no que hoje é o noroeste do Rio Grande do Sul.
O sítio arqueológico de São Miguel é hoje o mais preservado e reconhecido, declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO em 1983. Suas ruínas silenciosas falam de uma civilização única que floresceu no coração do continente e que foi brutalmente desmantelada por disputas coloniais.
A Guerra Guaranítica (1753), desencadeada pela resistência indígena à expulsão dos jesuítas e à entrega de suas terras a Portugal, marcou o fim das Missões. Milhares de guaranis foram mortos, e o projeto missioneiro foi extinto pelas armas de além-mar. Ainda assim, o legado resiste — na música barroca indígena que sobrevive, na arquitetura das ruínas, na cultura missioneira que pulsa no modo de vida de muitos gaúchos, na fé popular e na memória coletiva.
A história missioneira é também uma oportunidade de repensar o presente: que tipo de relação temos com a história indígena do nosso estado? O que aprendemos com os acertos — e com os erros — desse experimento civilizatório?
Celebrar as Missões é, acima de tudo, um exercício de memória. Uma chance de reconhecer que parte da nossa identidade gaúcha foi moldada entre rezas, cantos em guarani e resistência. E que as pedras das ruínas ainda sustentam mais do que templos: sustentam a lembrança de um povo que, apesar de tudo, não se deixou apagar.