O golpe no cárcere
A história política brasileira sempre oscilou entre avanços democráticos e rupturas autoritárias. Desde o Império, quando a Constituição de 1824 previa o Poder Moderador nas mãos do imperador, já se percebia a tensão entre soberania popular e concentração de poder. O século XX consolidou esse dilema: golpes, ditaduras e atos institucionais minaram a promessa constitucional de liberdade.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal também foram alvos. Em 1969, em pleno regime militar, nomes como Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal foram cassados, não por crimes, mas por representarem a resistência democrática. A Suprema Corte, reduzida e silenciada, simbolizava uma nação mutilada em suas instituições.
Décadas depois, assistimos a um paradoxo histórico: aqueles que, em pleno século XXI, buscaram romper novamente com o pacto constitucional de 1988 foram sancionados, sentiram o peso das instituições e das leis. A tentativa de intimidar a Corte Suprema, inclusive com articulação estrangeira, repetindo a velha lógica de subjugar juízes para pavimentar o caminho ao autoritarismo, fracassou. O cárcere, antes destinado a opositores de regimes de força, agora alcança golpistas que atentaram contra a ordem democrática.
Trata-se de uma inversão simbólica poderosa. O país que outrora via ditadores intocados e juízes destituídos, finalmente aplica a lei a quem quis usurpá-la. Essa virada não apaga as marcas do passado, mas reescreve o sentido constitucional do Brasil.
O golpe, desta vez, não venceu. Triunfou a ideia de que a democracia, ainda frágil e imperfeita, tem mecanismos de defesa. Que a justiça, antes calada, pode falar mais alto que o fuzil e o coturno. E que a memória de ministros como Evandro Lins e Silva não se perdeu: ela ressurge como advertência de que a democracia pode ser ferida, mas também pode se regenerar.
O cárcere dos golpistas é menos uma vingança e mais um marco civilizatório: a lembrança de que, no Brasil, a roda viva da história pode girar em favor da liberdade e da democracia.