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SANTO ÂNGELO
17 de dezembro de 2025
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Opinião

O DNA da desigualdade

  • dezembro 6, 2025
  • 2 min read

Até agora, a Lei de Execução Penal só permitia a coleta compulsória de DNA após condenação por crimes violentos ou hediondos, preservando algum respeito à presunção de inocência e aos limites da bioética, que exige consentimento, finalidade clara e mínima intervenção sobre o corpo.

Com a Lei 15.272/2025, porém, o Estado expande esse poder: passa a colher material genético já na audiência de custódia, antes de qualquer sentença, inaugurando a perigosa era da vigilância genética pré-condenatória. A alteração, longe de ser neutra, reforça a engrenagem da seletividade que estrutura o sistema penal brasileiro.

A nova lei autoriza a coleta em casos de violência, grave ameaça, crimes sexuais, organização criminosa armada e crimes hediondos — categorias que coincidem, não por acaso, com o perfil histórico das prisões brasileiras: jovens, negros e pobres, tratados como alvos prioritários do controle penal.

O resultado é previsível: a vigilância genética não alcançará quem decide o rumo da economia, mas recairá sobre quem já vive sob policiamento permanente.

Os delitos que corroem o Estado — corrupção, lavagem, fraudes financeiras, cartel, evasão — seguirão fora do radar biológico. Nenhum executivo, banqueiro ou operador do mercado financeiro terá o DNA extraído. A biopolítica penal tem endereço certo, e ele começa nos bairros vulneráveis, jamais nos condomínios de luxo.

É preciso lembrar: DNA não é um dado neutro. Uma impressão digital revela identidade; o material genético revela intimidade.

Como alertam os estudos de bioética, o DNA expõe informações sensíveis, potencialmente estigmatizadoras, que podem ser usadas para discriminação ou para ampliar a vigilância do Estado sobre grupos específicos.

A promessa oficial é modernizar investigações. Mas o efeito concreto é institucionalizar um banco genético composto quase exclusivamente pelos mesmos corpos que o sistema penal já captura há décadas.

A nova lei é apresentada como avanço. Bioética e democracia mostram o contrário: estamos naturalizando a ideia de que alguns brasileiros devem ter seu corpo inteiro — até o DNA — sob custódia do Estado, enquanto outros seguem intocados.

Isso não é modernização. É genética da desigualdade.

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Andrey Régis de Melo

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