Mulher morre após sangrar por horas em hospital de Olinda; amiga diz que equipe suspeitou de aborto

A chef de cozinha Paloma Alves Moura, de 46 anos, morreu após esperar quase dez horas por atendimento médico no Hospital do Tricentenário, em Bairro Novo, Olinda (PE). A unidade é administrada pela congregação Unidade da Santa Cruz, sob o modelo de Organização Social de Saúde (OSS).
Segundo relato da amiga Thais Leal ao g1, Paloma deu entrada na unidade com fortes dores na região do útero e sangramento intenso. Familiares e amigos afirmam que houve negligência médica e que o atendimento foi retardado porque a equipe teria suspeitado de um aborto. No entanto, de acordo com eles, a paciente não estava grávida e apresentava sintomas de endometriose.
O caso ocorreu em 8 de outubro. Paloma foi levada ao hospital pela filha, Maria Clara, e encaminhada para a maternidade, onde foram solicitados hemograma e exame Beta HCG (que detecta gravidez). A entrada foi registrada por volta das 8h.
“Ela estava sangrando muito. No prontuário consta fluxo leve, mas ela encharcou mais de três lençóis”, contou Thais.
A amiga registrou boletim de ocorrência na Delegacia Seccional de Olinda, que instaurou inquérito policial. O caso também foi denunciado ao Ministério Público de Pernambuco, que abriu procedimento na 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Olinda.
O Hospital do Tricentenário negou a acusação de negligência e afirmou, em nota, que a paciente “recebeu acolhimento imediato”. A Prefeitura de Olinda informou que instaurou sindicância para apurar o caso.
Espera e agravamento
Thais relatou que pediu a transferência de Paloma para outro hospital, o que teria sido negado até a liberação do exame Beta HCG. Segundo ela, também foi solicitada uma transfusão de sangue, que não teria sido realizada — o hospital, porém, afirma que o procedimento ocorreu.
“Pedi socorro, disse que ela precisava ser transferida. Mas o residente respondeu que só poderiam fazer isso após o resultado do Beta. Eu expliquei que ela não estava grávida, que tinha endometriose, e perguntei: ‘vai continuar sangrando desse jeito?’”, disse Thais.
Com o passar das horas, o estado de Paloma se agravou. De acordo com a amiga, ela ficou pálida, vomitou, teve taquicardia e, mais tarde, sofreu uma parada cardíaca.
“Ela passou o dia à base de analgésico, sangrando muito, e ninguém acreditava que não era aborto. Por causa dessa suspeita, ela sofreu daquele jeito”, afirmou.
Thais também disse acreditar que o fato de o hospital ter vínculo religioso pode ter influenciado na demora por intervenção médica. Após o caso, ela afirma ter recebido dezenas de relatos de outras mulheres que relatam negligência na mesma unidade.
“Ouvi histórias de mulheres com dor, gritando durante o parto. Já me procuraram mais de 50 pessoas contando que foram negligenciadas ou perderam filhos. O hospital é conhecido como um matadouro”, disse.
Parada cardíaca e morte
Por volta das 16h, cerca de oito horas após a entrada de Paloma, Thais deixou o hospital, e a filha da vítima permaneceu no local. Minutos depois, outra amiga, Flávia, ligou informando que Paloma havia sido levada para a UTI.
“Ela ficou mais de uma hora sendo reanimada. O corpo já estava em colapso, sem sangue”, contou Thais.
A certidão de óbito, registrada às 18h, apontou como causas da morte:
- Anemia crônica agudizada;
- Adenomiose (crescimento do endométrio na parede do útero);
- Leiomiomatose uterina (tumor benigno);
- Infarto hemorrágico ovariano unilateral;
- Cardiopatia dilatada.
A Polícia Civil informou que instaurou inquérito por meio da 7ª Delegacia de Olinda, no bairro de Santa Tereza, para apurar o caso.
Nota do hospital e da prefeitura
Em nota, o Hospital do Tricentenário declarou que:
- A paciente relatou dores e sangramento há cerca de 15 dias;
- Recebeu acolhimento imediato, exames, medicamentos e monitoramento;
- A equipe indicou transferência para uma unidade com emergência ginecológica, mas não foi possível devido à instabilidade clínica;
- Paloma recebeu transfusão, foi intubada, levada à UTI e sofreu parada cardiorrespiratória;
- Todas as condutas estão registradas em prontuário e foram enviadas aos órgãos competentes, conforme a LGPD e o sigilo médico.
A Secretaria de Saúde de Olinda informou que instaurou processo de auditoria e também investiga o caso.

