Havia… quatrocentos anos
O campo fizera-o xucro e xucro se fez homem na essência da palavra! Taura, macanudo, guasca, chino-velho, matuto, assim chamavam-no pelos rincões por onde troteava com o seu alazão, do nome todos desconheciam, por vezes, ele próprio dessabia dele, razão pela qual, ouvira tantos nãos – dando de “casa em tapera -,” ao postular changas pelos corredores reais destas plagas sul-grandenses, agigantadas aos olhos do cavaleiro franzino, em busca do sustento da própria carcaça e dos seus dois parceiros – pingo e cusco, lá se ia uma silhueta esguia projetada no horizonte!
Certa feita, Macanudo acordara com o canto dos sabiás, logo reconheceu o cantar e disse a si, é o laranjeira, saltou do catre – os aperos da encilha, recostado que estava ao angico meio centenário, amarrado estava com o cabresto à arvore, com receio de ser engolido por uma sucuri, sim, elas já estão nas missões e dizem que ocupam os túneis índio-jesuíticos, índio-jesuíticos, porque os nativos do lugar são os indígenas, qualquer fala em contrário, contou ele, é falácia daqueles que valorizam os que vieram explorar os nativos (furtaram destes, a identidade, seu outro), despojando-os de sua liberdade!
Já com os ossos de ponta, soltou três assovios, aguçou o ouvido, sorriu, ah, como alazão era bom de ouvido, relinchando feliz, em segundos estava junto ao chino-velho para receber a encilha, chamava seu pingo amigo de Malandro, esse era o nome do amigo dos arreios, ele conhecia até da erva mio-mio, capim malvado que mata um equino em poucas horas após ingerido, possuía um faro excepcional, a distância sentia quando alguém se aproximava, fosse gente ou bicho, tantas vezes já salvara o Chino, do ataque de animais famintos, dando de mão no indesejados ferozes.
Matuto escovou o cãozito Festeiro e o pingo, ajustou bem os arreios no lombo do alazão, deu um trato nas vestes do seu corpo, recolheu dos arbustos as que lavara no córrego no dia anterior, dedicou caprichos, deitou-as entre os pelegos, convidou os amigos para espelhar-se na sanga, entreolhares, relinchos, ganidos e buenas e, avante disse o cavaleiro, radiantes seguiram os três parceiros, num repente, o cavaleiro segurou o pingo pelas rédeas e o cão pressentindo latiu, o cavalo relinchou e Matuto não conteve a dor e bradou: aqui jazem milhares de nativos!!! Havia quatrocentos anos, nos tomaram a terra e a liberdade!

