Assine o Jornal das Missões! Clique aqui!
SANTO ÂNGELO
31 de julho de 2025
Rádio AO VIVO
Opinião

Depois da chuva

  • julho 4, 2025
  • 2 min read

Choveu a noite inteira. Daquelas chuvas mansas e frias, que não gritam nem assustam, mas que encharcam a terra e a alma. Pela janela, o campo parecia um espelho, onde tudo se confundia: o céu cinzento, os pingos tortos, o cheiro de barro acordando as reminiscências guardadas.

Anastácio levantou cedo. Como de costume, preparou o amargo, calçou as botas gastas e, com um suspiro longo, encilhou o baio. O cavalo sentiu o peso do silêncio que há dias morava nos olhos do campeiro. Um silêncio encharcado como o chuvisqueiro incessante.

Montou sem pressa. As veredas, barrentas, o levavam por caminhos desconhecidos, talvez os descaminhos das ausências dentro de si. Talvez apenas a chuva mudando a estrada no rumo do horizonte.

O campo é um velho sábio, pensou o peão, quando percebeu um florir no meio da saudade e do luto. A nova estação não tardaria a encher a imensidão do pampa com as cores da primavera.

O cheiro da terra molhada misturava-se ao perfume agreste das flores pequenas — mas valentes — que sempre retornam depois da tempestade. Ao chegar no alto da coxilha, o sol, em esbelta timidez, atravessou as nuvens antes pançudas. Um clarão morno iluminou o campo, e Anastácio sentiu o calor invadindo-lhe o peito gélido.

A menina, que tinha olhos de mar, em tons de lembrança, como flor, brotou depois da chuva, quem sabe para semear a esperança dos amanheceres na estância. “A vida é vento, redemoinho…”, deliberou Anastácio, segurando o mate morno nas mãos rudes.

E naquele instante breve, em solidão, sentindo o perfume das flores, compreendeu: há dores que não se curam, mas se transformam, o velho verso esmaecido tornou-se poema menina para brincar em delírios morenos.

O tempo, então, deixou de pesar. Não porque a ausência tivesse ido embora, mas porque o choramingar da menina calou o silêncio que ficara. O peão entendeu a travessia dos invernos e a razão da chuva, as lágrimas da imensidão são necessárias para os novos versos no reescrever das linhas e entrelinhas da vida.

About Author

Andrey Régis de Melo

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *