De quem você é fã?

No consultório, entre um silêncio tímido e uma meia-resposta empurrada para fora, às vezes faço uma pergunta simples, quase inocente:

“De quem você é fã?”

E deixo o ar ficar quieto por uns segundos. Quero ver para onde a cabeça vai.Mas, antes que eu revele para onde quero chegar, deixo você pensar.

Quem seria o seu ídolo?Quando alguém pergunta, de supetão, o que você diria?Fique aqui. Não avance. Reflita primeiro antes do próximo parágrafo.

Pense um pouco. Respire devagar. Veja o rosto aparecer.

Um cantor? Uma atleta? Um cientista? Um familiar?Um professor que te ensinou mais que matéria?

Só que, muitas vezes, quando a resposta vem dos meus pacientes adolescentes que se equilibram entre a vida real e a virtual, ela chega meio torta, frágil, vazia.

Já ouvi:Um youtuber famoso.Um perfil falso que “viraliza com 2 milhões de seguidores”.Um personagem de jogo.Um rosto que dança, repete frases e some na semana seguinte.

Eu pareço não entender. Fã de quem? Fã do quê?

Como pode alguém ser fã de quem nunca escreveu uma história própria?De quem não tem biografia, não tem raízes, não tem cicatriz, não tem legado?De quem não construiu nada além de um único vídeo de trinta segundos e um bordão descartável?

E isso diz muito sobre o vazio que estamos deixando crescer.

Ser fã deveria ser quase um vínculo sagrado.Fã da coragem de alguém.Fã da empatia de alguém.Fã da persistência de alguém.Fã da história de alguém que atravessou tempestades e saiu maior do outro lado.

E então eu volto para os jovens do consultório e pergunto outra vez, só que de um jeito mais profundo:

“Certo, mas… por que você é fã dessa pessoa?”

Aí, quase sempre, vem um silêncio.Um silêncio que denuncia o quanto temos substituído substância por espuma.

Por isso, proponho um exercício para você, para mim, para todos nós:

Escolha alguém para admirar que tenha história, princípios, conteúdo humano.Alguém que, se você fosse escrever uma biografia de cinquenta páginas, tivesse material para todas elas.Escolha alguém que ensine sem falar.Que inspire sem pedir.Que transforme só por existir.

E, ao final, devolvo a pergunta, agora com outra camada:

Se o seu ídolo traduz aquilo que você valoriza… então o que você tem valorizado?