Costurar amor, servir poesia
O cachorro latiu quando abri o portão. Acredito que o bichinho percebeu as duas calças em minhas mãos, entendeu, portanto, que não se tratava de um malfeitor a violar um domicílio.
A costureira missioneira apareceu com suas mãos envelhecidas e cintilantes. No ateliê modesto, entre roupas, tecidos, agulhas e linhas, o sorriso iluminava a singela relação comercial.
Era do tipo que não costurava só tecidos, mas também remendava vidas. A bainha feita com esmero revelava o trabalho de quem entende que servir bem é uma forma de entrelaçar fios de amor.
Poucas horas depois, no anoitecer da Fenamillho, o garçom, serelepe, com a juventude nos olhos — talvez no primeiro emprego — bailava entre as mesas como um protagonista de Tchaikovsky.
Atento aos detalhes, percebia de longe o aceno discreto, o copo vazio, a criança inquieta à espera de um suco. Nada lhe escapava. Tinha nos gestos a precisão de quem cuida, e na voz baixa, uma educação que acalmava.
Não era só servir — era acolher, encher o copo de poesia.
Garçom e costureira carregavam uma dignidade rara em nosso tempo, dessas que transformam um trabalho simples num pequeno espetáculo de humanidade.
Eles não se conheciam, imagino. Talvez seus mundos nunca tenham se cruzado, embora moradores da mesma cidade. E, ainda assim, completam-se à distância — se bem que podem ser moradores do mesmo bairro.
Uma, com a leveza de quem já viveu muito e aprendeu a ser feliz com pouco. O outro, com a graça de quem começa e já entende que gentileza vale uma fortuna.
Ambos, à sua maneira, irradiam felicidade. Não aquela das redes sociais, mas a que nasce do cuidado, da presença e do amor pelo que se faz. Ensinam, sem palavras, que ser feliz não é destino — é escolha diária. Um jeito de estar no mundo, de tocar vidas com o que se tem de melhor.
Talvez a verdadeira felicidade more aí: no que se oferece ao outro sem esperar retorno. No sorriso sincero, na atenção, na água servida com afeto ou na costura feita com alma. Porque, no fim, o que deixamos nas pessoas é o que mais importa — e isso, a costureira e o garçom sabem bem.