Cessar-fogo
Os noticiários do mundo anunciaram um cessar-fogo em Gaza. As câmeras mostram o silêncio repentino depois de meses de estrondo, o pó baixando sobre ruínas, o olhar confuso de quem sobreviveue o alívio contido de quem ainda teme o próximo disparo.
Como neurologista, não consigo deixar de pensar nas guerras invisíveis que cada um de nós trava dentro do próprio cérebro. No campo elétrico e químico de nossos neurôniois, há também explosões, trincheiras, resistências e pactos silenciosos. Quando o mundo se acalma, é possível ouvir, ainda que por instantes, o eco das nossas batalhas internas.
Quantas vezes prolongamos guerras que poderiam cessar se apenas déssemos o primeiro passo em direção ao perdão? Há pessoas que carregam, há anos, um conflito congelado no tempo. Uma palavra atravessada, uma decepção, um orgulho que virou barricada. Mantemos tropas de ressentimento de prontidão, mesmo quando o inimigo já nem lembra mais o motivo do combate.
O cérebro humano é engenhoso, mas também é teimoso. Ele repete dores, reencena cenas, reconstrói feridas. O perdão, neurobiologicamente falando, é um ato de desativação. Ele muda o circuito. É como desligar o alarme que não para de tocar. No instante em que escolhemos compreender, o cérebro pode finalmente descansar.
Mas perdoar não é esquecer. É negociar a paz com a própria história. É assinar o tratado possível, aquele que reconhece as perdas, mas permite seguir. É compreender que o cessar-fogo não depende apenas do outro lado: começa dentro de nós.
Penso nos pacientes que chegam ao consultório em meio a guerras íntimas, entre o que sentem e o que mostram, entre o que desejam e o que podem, entre o que aconteceu e o que esperavam. Às vezes, não há cura imediata. Há trégua. E a trégua já é uma forma de amor.
Assim como nas cidades devastadas, também dentro de nós há destroços que não se reerguem de um dia para o outro. Mas é no silêncio após o último tiro que se ouve o primeiro canto dos pássaros.
Talvez este seja o convite que a humanidade, e cada um de nós, precise escutar: aprender a cessar fogo. Nas relações, nos julgamentos, nas memórias que insistem em sangrar.
Porque, no fim das contas, nenhuma guerra compensa o que a paz reconstrói.

