Rapaz pobre e pobre rapaz
Este texto é um reforço aos dois anteriores. Livro bom demais para melhor escrever e falar em língua portuguesa é Estilística da Língua Portuguesa, de M. Rodrigues Lapa. Todos os que desejam escrever e falar melhor o deveriam ler. É deste livro, pois, que sai este escrito sobre a posição do adjetivo na frase presente, por exemplo, nestas duas frases de Lapa: O rapaz pobre necessita de fazer economias. O pobre rapaz ficou reprovado no exame. Ninguém, diz Lapa, por menos experiente que seja da língua, hesita sobre o significado daquele adjetivo. No primeiro caso, o adjetivo pobre está empregado no seu verdadeiro sentido, define com precisão a qualidade do rapaz: “moço sem recursos”. No segundo caso, entramos já em outra esfera: o adjetivo está empregado com significação diferente; na verdade, aquele “pobre rapaz” pode ser agora um rapaz imensamente rico. E o adjetivo e toda a frase aparecem-nos impregnados de sentimento, de compaixão. Tudo isso se obteve com a colocação do adjetivo antes do substantivo.
Prossegue Lapa dizendo que podemos desde já enunciar esta regra de estilo português: quando o adjetivo está logo depois do substantivo, tende a conservar o valor próprio, objetivo, intelectual; quando está antes, tende a perder o próprio valor e a adquirir um sentido afetivo. Assim, “uma rapariga bela” pode não ser “uma bela rapariga” porque a primeira se distingue pela beleza física e a segunda pela beleza moral. Machado de Assis, maior escritor brasileiro, está entre os escritores que muito usam a posição do adjetivo depois ou antes do substantivo. Machado em Memórias Póstumas de Brás Cubas aproveitou esta duplicidade de sentido jogando finamente com a posição do adjetivo: “a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço”. No primeiro exemplo, defunto significa “efetivamente morto”; no segundo, o adjetivo esbate-se de tal modo que perde o concretismo e entra o irreal.
Leciona ainda Lapa que esta variabilidade na colocação do adjetivo é própria de pessoas sentimentais e sonhadoras. O poeta, que vive mais na esfera do sentimento, tem tendência para pôr o adjetivo antes do substantivo. É um processo lírico. O poeta dirá de preferência “o verde prado” porque alude não à verdura em si própria, mas às emoções, ao prazer que lhe suscita verdura do prado. Para ele, verde é um adjetivo mais ou menos abstrato, mais coração. Um homem de prosa, observador exato e impassível, dirá antes “o prado verde”, porque estabelece uma relação intelectual, não contaminado de sentimento, entre o prado e a verdura que em dado momento o caracteriza. Para ele, verde é um adjetivo mais ou menos concreto, mais razão.