O Réveillon das Havaianas
O posfácio político deste ano foi a propaganda das sandálias Havaianas. Depois de Fernanda Torres afirmar que não entraria no novo ano com o pé direito, mas com os dois pés, algumas pessoas, em vídeos de tom burlesco, picotaram chinelos para demarcar suas posições políticas.
Confesso que sinto saudade de uma discussão política mais robusta. Há tempos, porém, o nível do debate não permite o enfrentamento de temas mais estruturais para o país, e talvez isso tenha se iniciado com a proliferação de vozes de duvidosa densidade intelectual nas redes ditas (anti)sociais, hoje a principal arena política.
Tudo isso se refletiu, por exemplo, na própria configuração do Congresso Nacional. Coisas impensáveis de serem ditas até mesmo no ambiente privado passaram a ser orgulhosamente proferidas nessas redes, sem pudor ou constrangimento.
Dias atrás, em um discurso higienista, cujas entrelinhas desvelam racismo e preconceito, um deputado federal denominou o Maranhão como uma “bosta” ao compará-lo com Santa Catarina. Na mesma fala, defendeu que pessoas pobres não participassem, pelo voto, da vida política.
As desigualdades internas são comuns a todos os países. Em 1990, Maradona, antes do jogo Itália x Argentina, lembrou aos napolitanos que eles eram estrangeiros em seu próprio país, marginalizados pelos italianos do norte rico e industrializado.
Em federações — especialmente naquelas de território continental — um dos grandes desafios dos governantes é a correção das desigualdades socioeconômicas. Por meio de políticas públicas, busca-se aproximar a qualidade de vida de quem mora nos confins da selva amazônica daquela de quem vive em uma capital industrializada, sem vilipendiar as diferenças culturais que demarcam cada região.
Talvez o episódio das sandálias diga menos sobre moda ou publicidade e mais sobre o empobrecimento do debate público. Quando campanhas comerciais passam a ocupar o lugar de discussões políticas sérias, algo já se perdeu no caminho.
Entre recortes oportunistas, discursos excludentes e uma arena pública cada vez mais ruidosa, parcela significativa da classe política deixa de buscar — e, por vezes, chega a obstaculizar — soluções para os problemas que produzem descalços em nosso país.

