
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou nesta quarta-feira (12) que o governo federal mantém preocupação com quatro pontos do relatório do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) sobre o projeto antifacção, encaminhado pelo próprio Executivo à Câmara dos Deputados. Segundo ela, as alterações feitas pelo relator podem comprometer a eficácia da proposta no combate às facções criminosas.
Entre os trechos que preocupam o governo estão a mudança no tipo penal criado para punir facções, a existência de duas legislações sobre o mesmo tema, a retirada da regra que permitia a apreensão de bens no início da investigação e a redução de recursos destinados à Polícia Federal (PF) devido à redistribuição de fundos.
Gleisi se reuniu no Palácio do Planalto com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e representantes da Casa Civil para finalizar uma nota técnica que será divulgada ainda nesta quarta-feira, apontando os trechos considerados críticos. O plenário da Câmara deve votar o projeto hoje, após o relator apresentar uma terceira versão do parecer que tenta atender às demandas do governo e da PF.
O projeto antifacção foi enviado ao Congresso após a megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro contra a facção Comando Vermelho, nos complexos da Penha e do Alemão, que resultou em 121 mortes e reacendeu o debate sobre segurança pública no país.
Um dos principais pontos de divergência é a mudança na nomenclatura do novo tipo penal. O texto do governo previa o crime de “facção criminosa”, distinto do de “organização criminosa”. Já o relatório de Derrite propõe a expressão “Domínio Social Estruturado”, o que, segundo a ministra, dificulta o entendimento do conceito pela sociedade.
Outro problema apontado é que o relatório não revoga dispositivos da atual lei das organizações criminosas, o que, na avaliação do governo, criaria duas legislações sobre o mesmo tema. “Vamos passar a ter duas leis tratando do mesmo assunto, o que é ruim do ponto de vista judicial”, afirmou Gleisi.
A ministra também criticou a retirada do trecho que previa a perda de bens das facções já no início da investigação. No relatório de Derrite, a medida só ocorreria após o trânsito em julgado da sentença condenatória. “Até lá, corre-se o risco de não conseguir capturar esses bens, nem asfixiar financeiramente as organizações criminosas”, disse.
Por fim, Gleisi destacou a preocupação com a diminuição de recursos destinados à Polícia Federal. Embora o relator tenha recuado na tentativa de alterar as atribuições da corporação, o texto mantém a redistribuição de verbas de fundos federais entre os estados, o que, segundo a ministra, pode prejudicar as operações da PF.
Nas versões anteriores do parecer, Derrite chegou a propor mudanças na Lei Antiterrorismo (13.260/2016), o que gerou resistência do governo e da própria PF. No novo texto, ele manteve a definição atual de terrorismo, distinta da de facção criminosa, para evitar sobreposição de conceitos e possíveis questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF). Também foram retirados trechos que ampliavam o papel da PF em investigações que hoje são de competência das polícias civis e militares, preservando a divisão constitucional de atribuições.
O relatório de Derrite cria um marco legal autônomo para o combate às organizações criminosas. Entre as medidas previstas estão penas mais duras e novos tipos penais para condutas como domínio territorial por facções, ataques a serviços públicos, sabotagem de infraestrutura, o chamado “novo cangaço”, financiamento de organizações criminosas e uso de armas restritas ou explosivos. A pena-base vai de 20 a 40 anos, podendo ultrapassar 60 anos com agravantes.
Os crimes previstos passam a integrar o rol de crimes hediondos, o que endurece as regras de progressão de regime e impede anistia, graça ou indulto. O texto também estabelece critérios mais rígidos de progressão de pena, com cumprimento mínimo de 70% a 85%, conforme a gravidade e reincidência.
O projeto autoriza ainda o bloqueio de bens físicos e digitais, apreensão de criptoativos e cooperação com Banco Central, COAF, Receita Federal e Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Também permite a intervenção judicial em empresas usadas por facções, com afastamento de sócios, auditoria de operações e suspensão de contratos suspeitos.
Outros pontos do texto preveem a transferência obrigatória de lideranças para presídios federais de segurança máxima, o monitoramento audiovisual de parlatórios com autorização judicial — exceto em conversas com advogados, salvo suspeita fundamentada de conluio — e a criação de um Banco Nacional de Organizações Criminosas. Esse cadastro, interligado aos estados, reunirá informações sobre integrantes, financiadores e empresas associadas a facções. A inclusão no sistema será condição para o repasse de recursos do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

