Quando Odete Roitman nos uniu outra vez
Há lembranças que não se apagam, não porque foram grandiosas, mas porque foram compartilhadas. Eu era criança nos anos 1990 e início dos 2000, e bastava escurecer para o Brasil inteiro parecer respirar no mesmo ritmo. As casas se enchiam de vozes, cheiros de café, chimarrão passando de mão em mão, risadas vindas da sala e olhares fixos na televisão.
Não era só “mais um capítulo”. Era o capítulo. Era Albieri brincando de Deus e fabricando clones em O Clone, o boi Bandido arrancando risadas em América, ou a lágrima inevitável ao ver Camila, em Laços de Família, perdendo os cabelos na luta pela vida, ao som da inesquecível Lara Fabian. Foram cenas que não pertenciam apenas aos roteiros, mas às nossas conversas, aos corredores das escolas, às filas de padaria, às salas de estar onde famílias e vizinhos se reuniam para sentir juntos.
E não era só a dramaturgia que unia o país. Pouco tempo depois, a mesma emoção coletiva se repetia diante de uma bola. Cafu erguendo a taça, Roberto Carlos com sua corrida inconfundível pela lateral, Marcos defendendo com alma, Ronaldinho Gaúcho driblando como quem dança. Lembro bem da Copa de 2002: madrugadas frias, pijamas, cobertores e, ainda assim, casas inteiras acordadas, gritando “gol!” em coro. No dia seguinte, ninguém reclamava do sono: o país ia feliz trabalhar, porque carregava no peito a mesma euforia.
Como neurologista, sei que essa energia coletiva não é pouca coisa. Nossos cérebros são moldados pelo convívio, pela experiência compartilhada. Esses momentos criam rastros emocionais profundos, conectando-nos uns aos outros, fortalecendo vínculos invisíveis. Quando uma emoção é sentida em conjunto, ela se torna mais forte, mais viva, mais memorável.
Recentemente, senti um pouco desse calor antigo ao ver as pessoas comentando a reprise de Vale Tudo e a famosa pergunta que parou o Brasil: “Quem matou Odete Roitman?”. Não gostei tanto do desfecho final, confesso, mas adorei ver o país, por um instante, falando a mesma língua outra vez. Gente debatendo no trabalho, nos grupos de mensagens, nas mesas de bar e até no meu consultório. Como se o tempo tivesse dado uma trégua para que lembrássemos que é possível se conectar de forma leve.
Hoje vivemos dias mais apressados, mais barulhentos, mais divididos. E talvez seja por isso que a nostalgia bate tão forte: porque ela lembra que já fomos mais próximos, mais simples, mais festivos. Talvez a grande lição esteja aí: no valor de parar, ainda que por um instante, para sentir juntos. Porque a saudade que carregamos não é só das novelas ou dos gols. É da leveza de um país unido por algo em comum.
E essa leveza, se quisermos, ainda pode ser recriada. Alguém mais se junta a mim?

