A verdade das massas
Foi em um outono de 2016, na tribuna da Câmara dos Deputados, que Jair Bolsonaro repetiu um de seus versículos preferidos: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. A frase, de forte apelo religioso, seria repetida por anos, ganhando contornos de slogan. Mas que verdade é essa? E, mais ainda: quem foi liberto?
O que se viu a partir dali foi a ascensão de um fenômeno político e social que passou a ser chamado de bolsonarismo. Embora pareça recente, esse movimento ecoa velhos fantasmas da história brasileira. Lembra o integralismo da década de 1930, com seus camisas-verdes, ultranacionalismo e retórica anticomunista. A novidade, se existe, está na roupagem digital e no uso sistemático de afetos como medo, ressentimento e ódio — poderosas ferramentas de manipulação das massas.
Sigmund Freud, ao analisar a psicologia coletiva, já advertia: “As massas nunca tiveram sede de verdade. Requerem ilusões, às quais não podem renunciar. Nelas o irreal tem primazia sobre o real, o que não é verdadeiro as influencia quase tão fortemente quanto o verdadeiro”.
No bolsonarismo, o irreal muitas vezes se sobrepõe ao factual, e o mito do líder se sustenta mais pela fé do que pela razão. Não por acaso, ideias religiosas e a mitificação do chefe político ocupam lugar central no imaginário de seus seguidores.
A obra “O bolsonarismo e a repetição do mesmo: atualizações de um fascismo em verde e amarelo”, do psicanalista e jurista Domingos Barroso da Costa, oferece uma chave de leitura importante para esse cenário. Ao abordar o fenômeno sob uma lente psicanalítica, o autor identifica nas estruturas de nossa sociabilidade — marcadas pelo autoritarismo e pela herança escravocrata — os alicerces de um movimento que não apenas dividiu o país, mas quase nos impôs um novo golpe.
Lançado em Porto Alegre, o livro é leitura essencial para quem busca entender os impasses da política brasileira contemporânea — e a complexa verdade que, ao invés de libertar, tantas vezes serve para aprisionar.