A árvore da infância
Na era das brincadeiras digitais, talvez tenhamos um desmatamento das memórias em pouco tempo. Os adultos não terão em suas infâncias raízes, troncos, galhos, flores e frutos, tampouco as primeiras experiências biológicas com formigas, passarinhos e outros animaizinhos da fauna arbórea.
Diante disso, cabe a pergunta: as árvores da infância ainda existem?
Para muitos que nasceram no século passado, a resposta é um sim saudoso. Elas eram o playground natural, sem hora marcada, sem a notificação das telas. Ali, pendurados nos galhos, a tarde transformava-se em uma grande aventura, e alcançar o derradeiro galho antes do céu era quase como conquistar um troféu. Cada subida trazia o orgulho da descoberta, a sensação de que o mundo se abria em horizontes maiores, mesmo que fosse apenas a vista do quintal do vizinho.
Brincar em árvores significava também se lambuzar com os frutos. Mangas que escorriam pelos braços, bergamotas doces, pitangas coloridas. O fast food acontecia no pé, sob olores e sabores das frutas da estação.
As árvores também guardavam outra memória: a varinha. Cortada de um galho, servia como lembrança dos moderados castigos corporais, parte de uma pedagogia hoje abolida, mas comum entre pais e avós. Curiosamente, a mesma árvore que nos alimentava e divertia também fornecia o instrumento da disciplina.
Comparar gerações é quase inevitável. As crianças de ontem subiam nos troncos, escorregavam, ralavam os joelhos e, entre um arranhão e outro, aprendiam a calcular riscos pela firmeza dos galhos. As de hoje crescem entre telas e cliques: o perigo é virtual, o tombo é a ansiedade, sem a liberdade para descobrir, por conta própria, os limites do corpo e da aventura.
Ainda é tempo de replantar as árvores da infância — no quintal, na praça ou mesmo dentro de nós. Árvores sem algoritmos, sem pixels, onde as crianças possam descobrir a vida real: na sombra que acolhe, no perfume das flores da primavera, no fruto que se colhe com as próprias mãos. Sem telas, apenas sonhos que crescem livres como galhos voltados para o céu.