O inventário
Domingos são dias de reflexões no meu cérebro ainda em construção. Pueril, aos seus 32 anos. Aliás, creio que mentes, dinâmicascomo são, nunca param de metamorfosearem-se e construirelucubrações e raciocínios. Estava rotineiramente tomando café depois do almoço, quando meu celular a tocar estava. Atendi. Tratava-se de um amigo de minha grande estima, sugestivamente estressado com o inventário familiar, pós falecimento dos genitores. Noras, genros, netos e sobrinhos. Irmãos, que a esta hora, já não mais convivem em família. O motivo: devem imaginar, caros leitores. Bens, divisões, posses e dinheiro.
Escutei o nobre parceiro ao telefone, por mais de três quartos de hora, tentando confortá-lo com a situação delicada que o afligia. Os substantivos “dono” e “patrimônio” fizeram parte constante do discurso ouvido atenciosamente por mim, proferido por uma língua cálida e nervosa.
Neurônios puseram-se a trabalhar e assim, tomar condições de argumentação da minha parte. Não o tinha pensado durante a ligação, mas em sequência o café foi um bom parceiro para racionalizar e conseguir ajudar o amigo, em prantos.
Inegáveis são as evidências de que habitamos um planeta que existe há bilhões de anos. Estudos recentes com carbono radioativo conseguem conferir a idade de fósseis e é cada vez mais nítido que evidentemente nossa espécie, humana como tal, transita por estes campos há mais de 100 mil anos.
Gostava de matemática no primário. Os boletins escritos à esferográfica azul e minhas louváveis professoras da saudosa Escola Henrique Sommer de Pirapópodem confirmar. Saudades, tenho. Uniformes azul marinho. Notáveis tempos que não voltam, mas serviram para crescimento.
Voltemos ao raciocínio linear:acredita-se que uma geração tem cerca de 25 anos, o que se confirma na prática, quando avós falecem em média, aos seus 75 anos, em que filhos tem 50 e netos 25 primaveras. Tomando-se como divisor 100 mil anos por 25 anos de cada geração, temos 4 mil gerações que nos antecederam. Estamos falando de nossa própria árvore genealógica. Quatro mil monossílabos “ta”. Tatatata….ravós.
Não tive o prazer de conhecer nem o primeiro tataravô. Minha família falece demasiado cedo por problemas cardiológicos e neurovasculares, que espero não os ter. Mas a matemática foi definidora de um raciocínio simples: a briga foi por múltiplos “donos” dos mesmos “patrimônios” e como dividi-los.
Acontece que, por mais simples que pareça, o mesmo patrimônio que protagoniza um litígio familiar hoje já teve inúmeros“donos” no passado, que nem sequer tiveram a possibilidade de se conhecerem. Qual foi o dono da sua fazenda quando Cabral chegou ao Brasil? João da Silva foi o segundo, quem sabe.
Restamos de passagem nesta jornada da vida. Donos provavelmente não somos de nada. Tampouco do nosso próprio corpo.
Zeladores, quem sabe seja o termo mais adequado. Prestamos cuidados, vigília e administração do patrimônio. Mas ele fica, e a gente vai.Chegará a geração 4001. E assim, sucessivamente.
As experiências, essas sim, são nossas. As diversões e os sorrisos, as emoções e as alegrias, as convivências e as trocas de afeto, as viagens e a estima. O bem-querer e as paixões. O amor compartilhado e o carinho. É tempo de privilegiar estes. Não estão no inventário.
Sou zelador da minha casa e do meu carro.
Mas, sou dono dos meus amores, do meu conhecimento, amadurecimento e do meu afeto.
Boa semana, queridos.