A matemática da vida
Como médico passo boa parte do dia estudando o cérebro, essa máquina milagrosa que comanda tudo sem pedir aplauso. Mas foi outro tipo de conta que me tirou o sono essa semana: a matemática da vida.
Vamos lá: uma semana tem 168 horas. Se você trabalha 8 horas por dia, 5 dias por semana, são 40 horas. Se dorme 8 horas por noite, são mais 56 horas. Já somamos 96.
Se gasta 2 horas por dia em deslocamentos, filas, mercado, resolver coisas da casa. São mais 14. Se somar 2 horas por dia de celular, redes sociais, vídeos, mais 14. A conta vai fechando.
E sabe o que sobra, no fim? Quatro. Quatro horas do dia para simplesmente… viver. Para olhar alguém nos olhos sem pressa. Para sentir o cheiro do café sem já pensar na próxima reunião. Para conversar com um filho sem checar notificações. Para existir, e não só funcionar.
Quatro horas.Essa conta me doeu mais do que qualquer diagnóstico.
Porque a gente vive achando que felicidade é um destino: algo que se compra, que se conquista, que se agarra com diplomas e promoções. Mas talvez ela esteja escondida exatamente nessas quatro horas. Naquilo que não rende status, mas que sustenta a alma.
Talvez seja hora de valorizar o que é óbvio. O abraço que ainda pode dar. A risada que ainda pode soltar. A paz de fechar os olhos e saber que, naquele dia, você viveu de verdade, nem que tenha sido só um pedacinho.
Lembro-me que com 13 anos, quando fui morar sozinho na saudosa Santa Maria estudar o ensino médio e depois a faculdade de Medicina, me faltavam as 4 horas de cheiro de cachorro molhado da lavoura, a roseta que doía embaixo do pé jogando bola com a gurizada e a companhia do meu cavalo. Hoje, não mais estão lá para serem vividas.
Geralmente o ser humano só percebe o óbvio quando já não o dispõe. E pasmem, não se compra tempo com dinheiro.
Por isso, se tem quatro horas aí sobrando, trate como diamante. Porque é nelas que a alma mora. E porque, quando a vida resolver fazer a sua conta final, talvez o que pese mesmo na balança seja o que você fez com o tempo que podia chamar de seu.