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SANTO ÂNGELO
17 de agosto de 2025
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Opinião

O fogo que acende memórias

  • julho 3, 2025
  • 3 min read

No fundo da minha memória, na antiga granja da família, existiu uma cozinha.Anos 90. Interior de Pirapó. Estrada de terra, com pó vermelho.Existia um homem, ainda. Querosene, o capataz, cujo nome poucos sabiam.
Sem estudos, sem viagens, mas com mãos de quem conhecia a alma do tempo, cozinhava um carreteiro que até hoje, e eu juro, nunca comi parecido.

Cozinha no galpão, de chão batido, janela baixa, panela de ferro. E um fogão a lenha.Apesar de muitas e tantas teses na medicina, digo: Memória não mora nos livros de anatomia. Mora no cheiro do café coado no pano.No estalar da lenha pegando fogo.Mora naquele calor que vem do chão, da terra, da casa.Nas linhas do rosto do Querosene.Na voz baixa, nos modos lentos, no silêncio que sabia ensinar.

Hoje vejo pacientes cercados de tecnologia. Tomografias, ressonâncias, exames funcionais. Mas, às vezes, o que falta não é um laudo. É o básico. É o simples.O essencial.

Quantos de nós estamos hoje queimando gás caro, acumulando panelas elétricas, colecionando distrações… esquecendo o que realmente sustenta?

O fogão a lenha ensina.Ele não tem botão.Leva tempo.Requer paciência.
Lenha seca. Ritmo. Cuidado. Limpeza.

Assim também é o cérebro. Não se cura só com pressa e comprimido.
Cura-se também com vínculos. Com afeto. Com tempo junto.O fogão a lenha não é só um objeto. É uma metáfora.É onde a comida é feita devagar, e a conversa acontece enquanto a água esquenta.Onde o avô ensinava o neto a empilhar os gravetos.Onde o tempo parava sem culpa.

E às vezes, para reacender o que parecia perdido, basta o cheiro da madeira queimando no fim da tarde.

Querosene já se foi faz tempo.Morreu como viveu: sem alarde, sem dívida, sem luxo.Mas às vezes, em casa, quando sinto aquele cheiro da lenha queimando na lareira…É como se ele passasse de novo pela porta da cozinha, de chapéu de palha e fala curta, dizendo só:”Vai demorar, mas vai ficar bom.”

E eu entendo.Na medicina, como na vida, o bom mesmo leva tempo.
Descanse, Querosene.Você ainda mora aqui. No meu nariz, no meu estômago, no meu cérebro.E em cada fogão que estala no silêncio da memória.

Esta crônica não é sobre fogão. É sobre histórias simples que são as que nutrem a alma.

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NORBERTO WEBER WERLE

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