Estamos todos doentes?
Outro dia, entre um laudo de ressonância e um exame de eletroneuromiografia, me peguei parado, olhando pela janela do consultório. Lá fora, a cidade acontecia como sempre: buzinas impacientes, gente apressada, olhos no celular. Mas aqui dentro, no silêncio branco da clínica, fui invadido por uma inquietação que nem a medicina sabe nomear direito.
Vivemos tempos em que quase tudo ganhou um rótulo. Uma tristeza que dura mais de três dias já é depressão. Um cansaço no final do expediente? Burnout. Um pouco de desatenção? TDAH. Uma briga de casal? Relação tóxica. Parece que o mundo resolveu se interpretar à luz de prontuários e etiquetas, como se as dores da vida não pudessem mais ser apenas… vida.
Peço, caros leitores, para não me interpretarem mal. Nunca subestimo o sofrimento de ninguém. Como médico, já vi olhos cansados demais, corpos tremendo por dentro, famílias desfeitas por silêncios que doem mais do que palavras duras. Sei que o sofrimento é real. Mas sei também que ele não precisa ser sempre um transtorno. Às vezes, ele é só a vida pedindo pausa. Pedindo colo. Pedindo menos diagnóstico e mais abraço.
A régua baixou, sim. Baixou porque estamos cansados, sozinhos, confusos. Vivemos numa sociedade que valoriza a performance, a produtividade, a estética da felicidade. E nessa busca por se sentir “normal”, criamos um novo tipo de neurose: a obsessão pelo nome da nossa dor.
Mas nem tudo precisa ser explicado. Há dias em que a tristeza é só o luto por algo que ainda nem aconteceu. Há esquecimentos que são apenas cansaço. Há relações que machucam sim, mas não são tóxicas — são só humanas, frágeis, cheias de desencontros e imperfeições. E há estresse que não é burnout: é só o preço de viver num mundo que exige muito e oferece pouco.
A vida é mais simples do que parece. E mais bonita também.
Ela está no café coado na hora, no silêncio de uma caminhada sem celular, no riso de um filho que ainda não aprendeu a temer o futuro. Está no tempo que se gasta olhando nos olhos — sem notificação nenhuma. Está no toque, na escuta, no choro que não se grava em stories.
Como médico, aprendi a valorizar os diagnósticos certos. Mas como homem, como alguém que também se cansa, também se perde, tenho aprendido a valorizar o que não se explica. A poesia do que apenas é.
Então vá. Mas vá devagar. Sem a pressa de se encaixar em siglas, sem o peso de ser um código de doença ou um atestado médico. Vá com presença. Com menos exposição e mais verdade. Com menos diagnósticos e mais vida vivida.
Porque, no fim das contas, ninguém quer só ser entendido. A gente quer ser sentido. E isso, meu caro, nem sempre cabe apenas num laudo.